5 de outubro de 2024
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Artigo: Breve análise jurídica sobre o aborto

Por: Luisinho Bassoli*

No Brasil, o aborto NÃO é

liberado em nenhuma hipótese.

O procedimento “deixa de ser punido” em três casos; dois constam do Código Penal (desde 1940); o outro por decisão do Supremo Tribunal Federal (desde 2012).

Vejamos:

  • Art. 128 do Código Penal.

Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário);

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (aborto humanitário).

  • Decisão do Plenário do STF (com votos contrários dos ministros Lewandowski e Cesar Peluso).

Deixa de punir o aborto, até três meses de gestação, se o feto for diagnosticado com Anencefalia (malformação do sistema nervoso) e não tenha condições de sobreviver fora do útero.

REFLEXÕES SOBRE O TEMA

Em relação ao “aborto necessário” (salvar a vida da mulher), não há o que discutir, está em consonância com os princípios universais do Direito.

Encontramos paralelo, por ex., no conceito da Exclusão de Ilicitude, descrito nos artigos 23 e 24 do Código Penal:

“Não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade”.

“Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, cujo sacrifício não era razoável exigir-se”.

Salvar a vida da mulher, pois, é imperativo, sendo o aborto, nesse caso, sine qua non.

No mesmo sentido, havemos de considerar o caso de fetos anencéfalos, que não sobreviverão à vida extra-uterina.

A afirmação a seguir, do jurista Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo, na obra Crimes Contra a Vida (2009), é terminativa:

“A gravidez é um momento especial para mulher, muitas vezes imaginado desde os tempos de menina, assim, exigir que destrua o sonho de ser mãe, obrigando-a a uma gravidez de feto que não tem chance de vida extra-uterina, é violador do princípio da dignidade da pessoa humana”.

ABORTO HUMANITÁRIO

Examinar o tema de forma neutra e racional exige coragem para enfrentar o fundamentalismo religioso e o falso moralismo com interesse político-eleitoral.

Os aspectos éticos e morais vão ao encontro da abordagem jurídica em voga.

O estupro é um crime gravíssimo, brutal, desumano; a vítima é humilhada, destruída física, emocional e psicologicamente.

A gravidez resultante do ato criminoso deprime a gestante; obrigá-la a manter em seu ventre o “produto do estupro” é condená-la a um tormento brutal, desumano.

Não se trata de gravidez “indesejada”, “não planejada”, fruto de um “descuido” do casal, trata-se do resultado do crime praticado pelo estuprador, cuja mulher não contribuiu em nada para engravidar.

Obrigar a mulher/menina, que foi violentada, agredida, subjugada pelo criminoso, a manter a gravidez é expô-la, de novo, à violência.

A situação fica mais ignóbil quando a vítima é uma criança ou adolescente, que não pode sofrer tamanha dor e angústia.

(Dados oficiais apontam que 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes).

Proibir o aborto resultante de estupro será um tormento sem fim para a mulher-vítima.

O argumento de se entregar o recém-nascido para adoção sucumbe à opressão a que a vítima será exposta.

Além de passar nove meses atormentada com o estupro, aguardará o dia do parto não para brindar o nascimento, como sonham as mães, e sim para se livrar da lembrança da violência sofrida.

Para piorar, vai ter que superar o trauma imediato de entregar o nascituro para outra pessoa.

Não para por aí: passará o resto da vida imaginando onde estará o descendente do bandido que destruiu sua vida.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal, garante o respeito à dignidade da pessoa humana.

O artigo 5.º, inciso III, assegura que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Obrigar a mulher a manter uma gestação de feto anencéfalo ou resultado de estrupo equivale a submetê-la a tortura, o que fere a dignidade da pessoa humana.

Portanto, o projeto de lei que quer criminalizar a vítima de estupro e a gestante de feto inviável para sobreviver fora do útero é inconstitucional.

PARA MEDITAR

São Tomás de Aquino, teólogo e filósofo escolástico, disse:

“Toda lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural, a luz da inteligência infundida por Deus em nós”.

A gravidez resultante de estupro não é da lei natural; Deus não unge estupradores e criminosos e não imporia uma tortura à vítima.

CONCLUSÃO

A proposta da “bancada do estupro” do Congresso Nacional de criminalizar o aborto legal é mais um ataque à população pobre.

Todos sabem que as filhas dos ricos que forem engravidadas por bandidos ou maníacos sexuais, farão o procedimento em uma clínica particular, em sigilo e com segurança.

O projeto em tela visa impedir o acesso das vítimas que não têm dinheiro: é a necropolítica da extrema-direita.

» INFORMAÇÃO ADICIONAL

O aborto é legalizado em mais de 70 países, entre eles:

  • Israel
  • Hungria
  • Itália
  • Portugal
  • Inglaterra
  • França
  • Alemanha
  • Espanha
  • Bélgica
  • Suécia
  • Suíça
  • Grécia
  • Austrália
  • Nova Zelândia
  • Canadá
  • EUA (70% dos estados)
  • México
  • Argentina
  • Uruguai
  • Japão (mediante autorização)
  • Coreia do Sul
  • Ucrânia
  • Rússia
  • Turquia
  • África do Sul

* Países com legislação análoga a do Brasil:

  • China
  • Índia
  • Chile
  • Paraguai
  • Síria
  • Irã
  • Afeganistão
  • Nigéria
  • Indonésia

* Países que proíbem o aborto:

  • Nicarágua
  • Honduras
  • Suriname
  • República Dominicana
  • Senegal
  • Egito
  • Madagascar

* Luís José Bassoli é advogado, graduado pela Universidade Mackenzie, formado pela Escola de Governo de São Paulo, pós-graduado em Didática para o Ensino Superior pela Unip.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.